Geisa Lima – Advocacia Imobiliária

Procuração em causa própria na compra e venda de imóveis

Introdução

No mercado imobiliário existem diversas formas de transações para se operar a alienação de imóveis, que pode ocorrer por contrato de compra e venda, por doação, por cessão de direitos hereditários, por permuta, dação em pagamento, entre outras, incluindo a procuração em causa própria, instrumento muito comum no contexto de compra e venda de imóveis. Se você tem interesse em entender mais sobre esse tipo de procuração, leia este texto até o final e tire todas as suas dúvidas, quem sabe você possa vir a se beneficiar deste mecanismo jurídico.

O que é a procuração em causa própria?

Você já ouviu falar na procuração em causa própria? Este instrumento jurídico é comumente utilizado nas transações imobiliárias para conceder ao mandatário poderes para atuar em nome do mandante, mas com uma particularidade: o mandatário é o próprio beneficiário da transação. Isso quer dizer que, na compra de imóveis, o comprador (mandatário) recebe uma procuração que lhe confere o direito de efetivar a transferência do imóvel para si, assumindo todos os poderes que seriam originalmente do vendedor (mandante). Esse tipo de procuração tem características especiais em termos de direitos, deveres e efeitos jurídicos, que a distinguem de uma procuração comum.

Natureza jurídica

A Procuração em causa própria tem um caráter contratual, mas com peculiaridades que a tornam irrevogável e irretratável. Ao contrário de uma procuração comum, em que o mandante pode revogar os poderes concedidos a qualquer momento, na procuração em causa própria, o mandante não pode revogar a procuração, já que, com sua outorga, há uma cessão de direitos a favor do mandatário, que, neste caso, se torna o próprio comprador do imóvel. Isso está amparado pelo art. 685 do Código Civil Brasileiro, que prevê a irretratabilidade e irrevogabilidade da procuração em causa própria. Vejamos:

Art. 685. Conferido o mandato com a cláusula “em causa própria”, a sua revogação não terá eficácia, nem se extinguirá pela morte de qualquer das partes, ficando o mandatário dispensado de prestar contas, e podendo transferir para si os bens móveis ou imóveis objeto do mandato, obedecidas as formalidades legais.

Nesse sentido, vamos entender melhor sobre os institutos da irrevogabilidade e irretratabilidade:

Irrevogabilidade

A irrevogabilidade é um dos elementos centrais da procuração em causa própria. Isso significa que, após outorgada, o mandante não pode mais retirar os poderes concedidos, nem se extingue a procuração pela morte de qualquer das partes, pois essa procuração visa à transferência de um direito de propriedade para o mandatário em caráter irrevogável. A irrevogabilidade é essencial para garantir a segurança jurídica do comprador, assegurando que o vendedor (mandante) não possa mudar de ideia ou dificultar a conclusão da transação imobiliária.

Essa característica torna a procuração em causa própria semelhante a um contrato de compra e venda, pois o mandatário adquire direitos plenos sobre o imóvel, e a rescisão unilateral do instrumento não é permitida.

Além disso, a irretratabilidade é outro elemento fundamental da procuração em causa própria, além da irrevogabilidade. Enquanto a irrevogabilidade impede o mandante de revogar a procuração, a irretratabilidade significa que, uma vez formalizada, a procuração não pode ser desfeita ou alterada de forma unilateral. Esse conceito reforça a segurança jurídica do comprador, assegurando que, após a outorga da procuração, o mandante não pode se retratar ou desistir da transação, mesmo que tenha mudado de ideia ou queira alterar as condições do negócio.

Assim como a irrevogabilidade, a irretratabilidade confere ao mandatário uma posição sólida, garantindo que o processo de transferência de propriedade do imóvel não sofra qualquer interferência do vendedor. Com isso, a procuração em causa própria passa a funcionar de maneira semelhante a uma alienação definitiva de direitos, em que a conclusão da venda do imóvel torna-se irreversível, e qualquer tentativa de reversão dependeria de consenso entre as partes ou de uma decisão judicial. Esses princípios protegem o adquirente e tornam o instrumento especialmente útil em transações imobiliárias, assegurando a estabilidade da negociação.

Transferência da propriedade

Antes de mais nada, é necessário deixar claro que a procuração em causa própria não constitui-se de um título translativo de propriedade, conforme julgamento no Resp. 1.345.170-RS (informativo 695), pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ. Ou seja, a Corte Superior entendeu que através desse instrumento não se transmite a propriedade do bem, apenas outorga poderes ao mandatário para que este disponha dos direitos de transmissão da propriedade para si mesmo.

Logo, o principal objetivo da procuração em causa própria na compra de imóveis é permitir que o comprador (mandatário) tenha poderes para realizar todos os atos necessários para a transferência da propriedade em seu nome. Isso inclui:

  • Assinar a escritura pública de compra e venda.
  • Pagar os tributos incidentes (como o ITBI – Imposto de Transmissão de Bens Imóveis).
  • Levar a escritura ao Cartório de Registro de Imóveis para efetivar a transmissão da propriedade.

Após esses passos, o imóvel é transferido definitivamente para o comprador, e o registro imobiliário passa a constar em seu nome, conforme previsto pelo art. 1.245 do Código Civil, que estabelece que a propriedade só é transferida com o registro no Cartório de Imóveis.

Escritura pública

Para que a procuração em causa própria tenha validade jurídica, é necessário que seja feita por escritura pública, lavrada em cartório de notas. Esse requisito formal visa assegurar que a transação seja realizada de maneira transparente e que os direitos e deveres de ambas as partes estejam claros. A ausência de escritura pública pode tornar a procuração inválida, comprometendo toda a transação imobiliária.

Segurança jurídica

Um dos principais benefícios da procuração em causa própria é a segurança jurídica que oferece ao comprador. Como o instrumento é irrevogável, o comprador não corre o risco de ver a transação frustrada por um eventual arrependimento do vendedor. Além disso, essa procuração é bastante útil quando o vendedor não pode estar presente fisicamente para realizar a assinatura da escritura de venda, ou quando o imóvel não pode ser transferido na ocasião da venda, em razão de alguma pendência, facilitando assim a realização do negócio para ambas as partes.

Economia tributária

Em alguns contextos, a utilização de procuração em causa própria pode ser vantajosa do ponto de vista tributário, especialmente quando comparada a outras formas de cessão de direitos ou transferências de imóveis. No entanto, é importante observar que o ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis) será devido quando operada a troca de titularidade do bem, já que este é um imposto cobrado pela transmissão da propriedade e não pela forma como a transação é realizada. A regularização do imóvel perante o Cartório de Registro de Imóveis é obrigatória para garantir a plena titularidade do mandatário.

Efeitos e responsabilidades

Ao aceitar uma procuração em causa própria, o comprador assume a responsabilidade de realizar todos os atos necessários à formalização da compra e transferência do imóvel. Isso inclui o pagamento de tributos e taxas, bem como a regularização documental no cartório de imóveis. Como o mandatário (comprador) age em nome próprio, ele também responde diretamente pelas consequências da transação, incluindo eventuais vícios ou irregularidades no imóvel que não tenham sido devidamente apurados. Por isso, a importância da análise prévia de riscos imobiliários, realizada por um advogado especialista, antes da celebração do negócio.

Cuidados na redação da procuração

Para evitar futuros problemas, é crucial que a redação da procuração seja clara e contenha todas as informações detalhadas sobre o imóvel e os poderes concedidos. Isso inclui:

  • A identificação completa do imóvel (matrícula, localização, tamanho, etc.).
  • Os poderes específicos que estão sendo concedidos ao mandatário.
  • A cláusula de irrevogabilidade e irretratabilidade.
  • Declaração expressa de que o mandatário é o beneficiário da transação.
  • O preço e as condições de pagamento.
  • A dispensa de prestação de contas.

O Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Ceará já entendeu pela revogação de procuração tida por “causa própria” por não atender aos requisitos formais dessa espécie de instrumento. Vejamos:

CÍVEL. APELAÇÃO CÍVEL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. PROCURAÇÃO PÚBLICA EM CAUSA PRÓPRIA (IN REM SUAM). NÃO CARACTERIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE REQUISITOS DO MANDATO PARA TRANSFERIR IMÓVEL. FALTA DE CLÁUSULA DE IRREVOGABILIDADE, IRRETRATABILIDADE, PREÇO DO IMÓVEL E FORMA DE PAGAMENTO. POSSIBILIDADE DE REVOGAÇÃO. RECURSO IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Cinge-se a controvérsia recursal em saber se a procuração outorgada à apelante pode ser considerada como em causa própria e se é possível a sua revogação. 2. A leitura da procuração encartada às fls. 12 evidencia que não se trata de procuração outorgada em causa própria (in rem suam), porquanto não foi lavrada em caráter de irrevogabilidade e irretratabilidade, tampouco houve a dispensa da prestação de contas. 3. Ademais, para que a procuração seja considerada em causa própria torna-se indispensável que se assemelhe ao contrato de compra e venda de imóvel, devendo, portanto, haver a adequada identificação da coisa (res), o preço (pretium) acordado entre as partes, e o consentimento (consensus), o que não restou demonstrado no caso em comento, porquanto inexiste preço estipulado na procuração acordada. 4. Assim, não obstante a parte recorrente afirme que houve a compra do imóvel e, consequentemente, a transferência dos direitos de propriedade do imóvel com a outorga da procuração, resta indubitável que foi outorgado um mandato tradicional, sendo, portanto, revogável, conforme dispõe o art. 1.316 do Código Civil de 1916 (art. 682 do CC/02). 5. Dito isto, denota-se da leitura da procuração que esta não pode ser classificada como in rem suam (em causa própria), na medida em que não preencheu requisitos solenes exigidos por lei, mostra-se evidente a violação ao art. 1.317 do Código Civil de 1916 (art. 685 do CC/02). Precedentes do STJ e TJCE. 6. Apesar de o mandato não ser causa própria, verifica-se que a apelante adquiriu o imóvel dos apelados com o claro compromisso de quitar o financiamento perante a Caixa Econômica Federal e, ao deixar de realizar os pagamentos, fez com que os recorridos fossem executados e tivessem que quitar o financiamento, sub-rogando-se nos direitos da caixa. Deste modo, manter a recorrente no bem seria compactuar com um enriquecimento sem causa, já que não paga qualquer valor locatício para se manter na posse do imóvel. 7. Verifica-se que a apelante deve discutir em ação própria as perdas e danos que julgar pertinente, porquanto não se pode efetuar a indevida equiparação de um mandato representativo para transmudá-lo a mandato em causa própria, ante a inobservância dos rigores formais exigidos por lei. 8. Apelo conhecido e improvido. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de apelação cível nº 0066789-29.2006.8.06.0001, em que figuram as partes acima indicadas, acordam os Desembargadores integrantes da 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por votação unânime, em conhecer do recurso interposto, mas para negar-lhe provimento, em conformidade com o voto do eminente relator. Fortaleza, 30 de setembro de 2020 FRANCISCO DARIVAL BESERRA PRIMO Presidente do Órgão Julgador DESEMBARGADOR CARLOS ALBERTO MENDES FORTE Relator(Apelação Cível – 0066789-29.2006.8.06.0001, Rel. Desembargador(a) CARLOS ALBERTO MENDES FORTE, 2ª Câmara Direito Privado, data do julgamento:  30/09/2020, data da publicação:  01/10/2020).

Diante disso, cuidado! A ausência dos requisitos formais da procuração ou a existência de cláusulas ambíguas pode gerar questionamentos legais e até a revogação do ato, atraindo sérios prejuízos.

Conclusão

A procuração em causa própria é uma ferramenta muito útil nas transações imobiliárias, pois oferece praticidade e segurança jurídica ao comprador, permitindo-lhe realizar a compra de um imóvel mesmo sem a presença do vendedor. No entanto, é importante que todos os cuidados formais e documentais sejam observados, como a lavratura em escritura pública e o registro da transferência no Cartório de Imóveis.

Além disso, por se tratar de um instrumento complexo e com efeitos jurídicos definitivos, é altamente recomendável o acompanhamento de um advogado especialista em direito imobiliário para a elaboração e registro desse tipo de procuração, evitando problemas legais futuros e garantindo que todas as partes cumpram suas obrigações de forma adequada.

Referências

BRASIL. Lei n. 10.406, 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 11 jan. 2002.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Informativo nº 695. 10 de maio de 2021. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?livre=@CNOT=018136. Acesso em 09/10/2024.

FORTALEZA. 30 de setembro de 2020. FRANCISCO DARIVAL BESERRA PRIMO Presidente do Órgão Julgador DESEMBARGADOR CARLOS ALBERTO MENDES FORTE Relator(Apelação Cível – 0066789-29.2006.8.06.0001, Rel. Desembargador(a) CARLOS ALBERTO MENDES FORTE, 2ª Câmara Direito Privado, data do julgamento:  30/09/2020, data da publicação:  01/10/2020). Disponível em: https://esaj.tjce.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do;jsessionid=46037025E2E460FFABF8DFA66E402D3C.cjsg1. Acesso em 09/10/2024.