Geisa Lima – Advocacia Imobiliária

Como comprar imóvel de herança? Entenda sobre a cessão de direitos hereditários e os seus riscos.

Introdução

Comprar um imóvel de herança, muitas vezes, pode ser um ótimo negócio, tanto porque o preço costuma estar abaixo do valor de mercado, quanto pela possibilidade de negociar diretamente com os herdeiros. No entanto, você precisa ter muito cuidado. Esse tipo de aquisição traz sérios riscos e é necessária que seja acompanhada por um advogado especialista. Se você está pensando em adquirir um imóvel nessas condições, é essencial entender como funciona esse tipo de aquisição e estar ciente dos cuidados necessários para garantir a segurança jurídica do negócio e evitar prejuízos no futuro.

Como adquirir um imóvel de herança?

Antes de mais nada, é necessário esclarecer que a herança como um todo é considerada um bem imóvel, mesmo que seja composta por casas, carros, dinheiro e demais bens móveis. Nesse sentido, os direitos hereditários constituem-se de bem imóvel, por dicção legal do art. 80, II, do Código Civil. Compreendido isso, vamos falar sobre a cessão de direitos hereditários:

Cessão de direitos hereditários

Este é o meio mais comum de adquirir um imóvel que está ou será inventariado. Quando os herdeiros ainda não finalizaram o processo de inventário e partilha dos bens, eles podem optar por ceder seus direitos sobre o imóvel a um comprador. Esse tipo de negociação é chamado de “cessão de direitos hereditários”, conforme previsão do art. 1.793 a 1.795 do Código Civil. Vejamos:

“Art. 1.793. O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública.

§ 1 Os direitos, conferidos ao herdeiro em conseqüência de substituição ou de direito de acrescer, presumem-se não abrangidos pela cessão feita anteriormente.

§ 2 É ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente.

§ 3 Ineficaz é a disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por qualquer herdeiro, de bem componente do acervo hereditário, pendente a indivisibilidade.

Art. 1.794. O co-herdeiro não poderá ceder a sua quota hereditária a pessoa estranha à sucessão, se outro co-herdeiro a quiser, tanto por tanto.

Art. 1.795. O co-herdeiro, a quem não se der conhecimento da cessão, poderá, depositado o preço, haver para si a quota cedida a estranho, se o requerer até cento e oitenta dias após a transmissão.

Parágrafo único. Sendo vários os co-herdeiros a exercer a preferência, entre eles se distribuirá o quinhão cedido, na proporção das respectivas quotas hereditárias.”

Na prática, a cessão ocorre quando o herdeiro (ou herdeiros) vende o seu direito sobre o imóvel antes mesmo da finalização do inventário. Ou seja, você não está comprando o imóvel propriamente dito, mas sim os direitos sobre ele, que será consolidado ao final do inventário.

Como funciona a cessão de direitos hereditários?

  • Acordo entre as partes: O comprador negocia diretamente com os herdeiros que possuem interesse em ceder seus direitos. A cessão de direitos hereditários pode abranger os direitos de todos os herdeiros como o quinhão de apenas um. Vale lembrar que, havendo mais de um herdeiro, todos devem concordar com a venda dos direitos hereditários ou exercer o seu direito de preferência sobre a compra dos direitos. Caso isso não seja observado, o contrato poderá ser anulado e você ainda corre o risco de enfrentar disputas judiciais posteriores.
  • Contrato de cessão de direitos: É essencial formalizar a negociação por meio de Escritura Pública, pois o Código Civil veda esse tipo de negócio por instrumento particular. O documento deve ser elaborado por um advogado especialista e levado ao Tabelionato de Notas para a lavratura da Escritura Pública. Esta deve especificar claramente os termos da cessão, como o valor a ser pago, as condições da venda, a anuência dos herdeiros e respectivos cônjuges (exceto no regime de separação absoluta de bens) e quais são os direitos que estão sendo cedidos.
  • Homologação judicial: Após a lavratura da Escritura Pública, o juiz responsável pelo inventário deverá ser informado da cessão, para quando chegar na fase da partilha, ao cessionário seja transmitido o seu direito. A cessão só terá validade plena após essa homologação judicial ou registro em cartório, sob pena de não produz todos os efeitos legais.

Quais os riscos da cessão de direitos hereditários?

Como já mencionado, a cessão de direitos hereditários é uma espécie de negócio aleatório que envolve muitos riscos, pois é condicionada a evento futuro e incerto. Vejamos alguns sinais de alerta que ocorre na prática:

  • Inventário incompleto: É mais comum do que se imagina, casos em que o inventário ainda não foi finalizado e, durante o processamento, surgem novos herdeiros – como filhos não reconhecidos anteriormente -, ou aparecerem dívidas do falecido até então desconhecidas, entre outras surpresas desagradáveis. Isso pode impactar no preço e até na própria disponibilidade do imóvel;
  • Nulidade da cessão: Como mencionado, todos os herdeiros devem se manifestar sobre o seu direito de preferência ou concordar com a cessão. Se um deles se opuser, isso é o suficiente para travar o processo e criar uma disputa judicial que pode durar anos, dificultando a sua posse definitiva ao imóvel e lhe causando sérios prejuízos financeiros, já que tais ônus podem recair sobre você;
  • Falta de homologação judicial: Se a cessão não for homologada pelo juiz responsável pelo inventário, o negócio pode ser considerado inválido. Ou seja, o comprador corre o risco de perder todo o dinheiro que pagou e ainda ficar sem a posse do imóvel;
  • Ilegitimidade do vendedor: Caso você celebre o negócio, pague o preço acordado e, posteriormente, descubra que quem lhe vendeu não detinha qualquer direito sobre o imóvel, mas apenas se passou por herdeiro, isso lhe trará grandes prejuízos;
  • Ônus, gravames, dívidas, etc.: Assim como toda aquisição imobiliária, recomendamos fortemente que se adote as precauções necessárias para identificar possíveis riscos do negócio. A análise investigatória consistirá num levantamento e análise detalhada dos documentos do imóvel e de quem lhe vendeu. Para saber mais detalhes sobre a Due Diligence Imobiliária, clique aqui.

Entendimentos jurisprudenciais no Ceará

O Egrégio Tribunal de Justiça aqui do Ceará (TJCE) tem decisões importantes sobre a compra de imóveis em processo de inventário. Em alguns casos, a corte já decidiu que a cessão de direitos hereditários só pode ser feita a partir de Escritura Pública e mediante a anuência de todos os herdeiros e que, sem essa concordância, a venda não é válida. Esse entendimento reforça a necessidade de formalizar adequadamente o contrato de cessão e de garantir que todos os herdeiros estejam de acordo com a transação. Vejamos:

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. VENDA DE IMÓVEL PERTENCENTE AO ESPÓLIO MEDIANTE INSTRUMENTO PARTICULAR. NECESSIDADE DE ESCRITURA PÚBLICA. AUSÊNCIA DE ANUÊNCIA DOS DEMAIS HERDEIROS. NULIDADE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. A questão posta em análise cinge-se em verificar se é devida a reintegração de posse do imóvel, instrumento de compra e venda formalizado por um dos herdeiros e adquirido pela apelante, imóvel este que faz parte do espólio de Osana Campos Colares. 2. Inicialmente, infere-se dos autos que, na ação de inventário dos bens deixados após o falecimento da sr. Osana Campos Colares, a inventariante apresentou a relação dos bens a inventariar, dentre eles uma casa residencial situada na Rua Arlindo Medina, 379, Centro, CEP 62.762-000, extremando com a Travessa José Aquino Pereira, Aratuba-CE, avaliada em R$ 7.000,00 (sete mil reais). Além disso, é importante registrar que o termo de compromisso assinado pela inventariante está datado em 20 de abril de 2010 (fls. 81) e o contrato de compra e venda ocorreu em 06 de janeiro de 2014 (fls. 132), ou seja, após a ação de inventário para partilha dos bens. 3. Nesse sentido, considerando fazer parte da partilha 8 (oito) herdeiros necessários e 5 (cinco) herdeiros por representação, cabe salientar que a anuência de todos os herdeiros é pressuposto essencial para a alienação de imóvel pertencente ao espólio. 4. O Código Civil de 2002 dispõe que, até a partilha, o direito dos co-herdeiros quanto à propriedade e à posse da herança será indivisível. Assim, só será possível a cessão de direitos inerentes à sucessão aberta mediante escritura pública. 5. O art. 1784 do CC/02 determina que, ao ser aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. Por isso, com a abertura da sucessão, os herdeiros já são imediatamente considerados condôminos e copossuidores dos bens deixados pelo de cujus, em virtude do princípio da saisine, contudo não significa dizer que exercem direitos exclusivos sobre o bem individualmente considerado. 6. Assim, conclui-se que, havendo o espólio, ou seja, não tendo sido feita ainda a partilha dos bens inventariados, faz-se necessária a manifestação do inventariante sobre a alienação de quaisquer bens que integrem a herança. Outrossim, tendo em vista que a alienação do acervo hereditário não cumpriu com as formalidades legais para que o ato fosse considerado válido, uma vez que se deu por meio de contrato particular e não por escritura pública, trata-se de negócio jurídico nulo. 7. Em que pese os argumentos da parte apelante de que o sr. José Emérito Colares detinha a posse do imóvel há mais de 40 anos, afirmando que era de conhecimento de todos na cidade, o conteúdo probatório nos autos demonstra, de forma inequívoca, que a falecida exercia a administração direta de seus bens, inclusive, alocando o imóvel durante os anos de 1989 a 1999, conforme contratos de fls. 38/67. 8. Recurso conhecido e não provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 4ª Câmara Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, pela unanimidade de seus membros, em conhecer e NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso de apelação, nos termos do voto do relator. Fortaleza, 21 de setembro de 2021. RAIMUNDO NONATO SILVA SANTOS Presidente do Órgão Julgador DESEMBARGADOR RAIMUNDO NONATO SILVA SANTOS Relator. (Apelação Cível – 0002908-80.2014.8.06.0039, Rel. Desembargador(a) RAIMUNDO NONATO SILVA SANTOS, 4ª Câmara Direito Privado, data do julgamento:  21/09/2021, data da publicação:  21/09/2021).”

Conclusão

Caro leitor, adquirir um imóvel de herança pode ser uma excelente oportunidade para você conquistar aquele imóvel desejado e com um preço abaixo do valor de mercado, mas cuidado, esse é um tipo de negócio aleatório e requer atenção máxima, pois envolve sérios riscos. Antes de você fazer qualquer compra, é fundamental entender bem os meios de aquisição, como a cessão de direitos hereditários ou a alienação judicial, além de ser vital a busca por orientação jurídica especializada. Isso vai te ajudar a garantir que o investimento seja seguro e sem dores de cabeça no futuro.