Introdução
O mercado imobiliário é constantemente aquecido, com imóveis negociados diariamente, para diferentes pessoas e em diversas condições de pagamento. No entanto, os riscos das transações imobiliárias aumentam nas vendas parceladas. São inúmeros os casos em que os compradores, já em posse do imóvel, deixam de pagar as parcelas. Nesse caso, o vendedor se encontra duplamente prejudicado: sem o dinheiro e sem a posse do bem. Assim, surge a pergunta principal: o que fazer quando o comprador do imóvel para de pagar as parcelas?
Caro vendedor, se você está enfrentando essa situação, é natural que esteja se sentido preocupado e inseguro, afinal, a venda de um imóvel envolve um patrimônio de alto valor. Desse modo, a falta de pagamento das parcelas firmadas pode gerar um enorme prejuízo. Mas fique tranquilo, há medidas legais para reverter essa situação e reparar os danos sofridos. Vamos conversar sobre os principais passos e fundamentos jurídicos aplicáveis a esse cenário?
Saiba o que fazer quando o comprador do imóvel deixa de pagar as parcelas:
Revise o contrato de compra e venda
A princípio, antes de tomar qualquer medida, você deve revisar o contrato de compra e venda celebrado com o comprador. Afinal, o contrato inclui cláusulas para diversas situações, inclusive o inadimplemento do adquirente. Nesse sentido, revise as cláusulas que apontam as penalidades em caso de atraso ou falta de pagamento, a incidência de juros, multa e correção monetária, as hipóteses de desfazimento do contrato, a retomada do imóvel, entre outras previsões contratuais.
Notifique oficialmente o comprador
Dessa maneira, antes de ajuizar uma ação judicial, notifique o comprador para constituí-lo em mora, ou seja, para dar-lhe ciência de seu inadimplemento. Nesse sentido, a notificação extrajudicial deve ser juridicamente fundamentada, enviada por correio via AR, por cartório de títulos e documentos, por e-mail registrado com certificado digital, ou por WhatsApp, comprovado o recebimento pelo destinatário. Com efeito, o documento deve deixar claro o valor da dívida, o prazo para regularização da dívida ou a rescisão contratual, bem como as medidas judiciais cabíveis em caso de descumprimento.
Ação judicial: rescisão do contrato ou execução da dívida
Caro vendedor, se mesmo oficialmente notificado o comprador se mantiver inerte e ignorar completamente as suas obrigações, você terá dois caminhos para reverter esta situação: a rescisão contratual com a reintegração na posse do imóvel ou a execução da dívida, conforme previsão do art. 475 do Código Civil. In verbis: “Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.” Vamos entender melhor?
a) Rescisão contratual com a devolução do imóvel:
Dessa forma, o art. 475 do Código Civil confere à parte prejudicada pelo inadimplemento da outra optar pelo desfazimento do negócio. Assim sendo, no caso de inadimplência do comprador, este deve devolver o imóvel nas mesmas condições que o recebeu. Por sua vez, o vendedor deve restituir parcialmente os valores pagos pelo comprador, deduzidas as despesas que eventualmente tenha suportado, as multas contratualmente previstas e eventuais custos com a deterioração do imóvel.
b) Execução da dívida
Por outro lado, outra opção é você manter a relação contratual e cobrar as parcelas atrasadas atualizadas com juros e multa, por meio de execução da dívida. Dessa maneira, isso pode ser feito judicialmente ou extrajudicialmente, caso o contrato esteja assinado por duas testemunhas, o que o torna um título executivo extrajudicial, conforme previsto no artigo 784, III do Código de Processo Civil.
Em contrapartida, se o devedor não pagar, o juiz pode determinar o bloqueio de bens, penhora de salários ou outros meios de garantir o pagamento da dívida. De outro modo, na execução extrajudicial, o título é protestado, o que pode levar à penhora de bens e valores do devedor.
Então, compreendido isso, vamos responder as principais perguntas dos vendedores nessa situação.
Posso reter o sinal pago pelo comprador?
Sem dúvida, sim. Se no início da contratação o comprador pagou um sinal ou arras, ele perderá todo o valor que pagou a título de sinal em razão do inadimplemento, conforme os arts. 417 e 418 do Código Civil, que preveem essa possibilidade como uma espécie de garantia à parte prejudicada. Então, vejamos:
Art. 417. Se, por ocasião da conclusão do contrato, uma parte der à outra, a título de arras, dinheiro ou outro bem móvel, deverão as arras, em caso de execução, ser restituídas ou computadas na prestação devida, se do mesmo gênero da principal.
Art. 418. Na hipótese de inexecução do contrato, se esta se der: (Redação dada pela Lei nº 14.905, de 2024) Produção de efeitos
I – por parte de quem deu as arras, poderá a outra parte ter o contrato por desfeito, retendo-as; (Incluído pela Lei nº 14.905, de 2024) Produção de efeitos
II – por parte de quem recebeu as arras, poderá quem as deu haver o contrato por desfeito e exigir a sua devolução mais o equivalente, com atualização monetária, juros e honorários de advogado. (Incluído pela Lei nº 14.905, de 2024) Produção de efeitos
Art. 419. A parte inocente pode pedir indenização suplementar, se provar maior prejuízo, valendo as arras como taxa mínima. Pode, também, a parte inocente exigir a execução do contrato, com as perdas e danos, valendo as arras como o mínimo da indenização.
Art. 420. Se no contrato for estipulado o direito de arrependimento para qualquer das partes, as arras ou sinal terão função unicamente indenizatória. Neste caso, quem as deu perdê-las-á em benefício da outra parte; e quem as recebeu devolvê-las-á, mais o equivalente. Em ambos os casos não haverá direito a indenização suplementar. [grifo nosso]
Nesse mesmo sentido tem julgado o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Ceará – TJ/CE. Vejamos:
DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C DEVOLUÇÃO DE VALORES. CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL ENTRE PARTICULARES. INAPLICABILIDADE DO CDC. INEXECUÇÃO CONTRATUAL POR PARTE DA PROMITENTE COMPRADORA. PERDA TOTAL DO SINAL PAGO. ART. 418 DO CÓDIGO CIVIL. MANIFESTA DESPROPORÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 413 DO CÓDIGO CIVIL. PRECEDENTES DO STJ. REDUÇÃO. POSSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Trata-se de recurso de apelação interposto por Fernando Coelho Incorporação de Imóveis Ltda. em face de Ecoco Importações e Exportações Ltda., objurgando sentença prolatada pelo Juízo da 20ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza que, nos autos da ação ordinária de rescisão contratual de promessa de compra e venda c/c devolução de valores pagos e tutela antecipada ajuizada pela ora apelada, julgou parcialmente procedente o pedido autoral. 2. Cinge-se a controvérsia recursal em verificar: i) a incidência do Código de Defesa do Consumidor à relação firmada entre as partes; ii) o direito à eventual retenção integral do sinal pago pelo promitente comprador e iii) o direito da apelante de ser indenizada em perdas e danos correspondentes “à diferença para a conclusão do contrato de promessa de compra e venda”. 3. Ab initio, registra-se que não incidem as normas do Código de Defesa do Consumidor e o teor do enunciado nº 543 da Súmula do STJ ao caso em tela, tendo em vista se tratar de rescisão de compromisso de compra e venda de imóveis entre particulares, não havendo a figura do fornecedor e do consumidor (art. 2º e 3º, CDC). Assim, a análise do presente feito será feita à luz das normas estabelecidas pelo Código Civil. 4. Caracterizada a inexecução do ajuste por parte da promitente compradora, aplica-se ao caso concreto o disposto na primeira parte do artigo 418 do Código Civil, verbis: “se a parte que deu as arras não executar o contrato, poderá a outra tê-lo por desfeito, retendo-as”, sobretudo porque existe cláusula contratual expressa neste sentido. […] 8. Recurso de apelação conhecido e não provido, redimensionando-se de ofício os ônus da sucumbência. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 3ª Câmara Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade, em conhecer do recurso para negar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator. Fortaleza, 7 de abril de 2021. (Apelação Cível – 0049433-50.2008.8.06.0001, Rel. Desembargador(a) JOSE RICARDO VIDAL PATROCÍNIO, 3ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 07/04/2021, data da publicação: 07/04/2021). [grifo nosso]
Logo, se foi o comprador quem deixou de cumprir o contrato, ele perde o valor pago a título de sinal, sem prejuízo de você exigir indenização por eventuais perdas e danos.
Posso reaver a posse do imóvel?
Nesse contexto, sim. Caso opte pela rescisão do contrato, você pode recuperar a posso do imóvel. Geralmente isso não é tão simples de forma amigável, uma vez que é comum o comprador oferecer resistência em entregar o bem, insistindo em manter-se na posse mesmo sem pagar as parcelas do contrato. Essa situação configura o exercício de uma posse injusta por parte do comprador, sendo possível a cumulação do pedido de reintegração de posse na ação de execução judicial. O art. 1.228 do Código Civil lhe garante esse direito. Vejamos: “Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.”
Nesse sentido, você tem a garantia legal de ser reintegrado na posse do seu imóvel, tendo o bem restituído ao seu patrimônio, uma vez que, até que o preço avençado seja totalmente pago e a propriedade transmitida, o comprador detém apenas a posse precária do imóvel.
Cabe indenização por fruição do imóvel?
Eventualmente, sim. A depender do caso concreto, é cabível uma indenização por fruição do imóvel, uma vez que o período em que o comprador usufruiu do bem sem pagar qualquer valor ao proprietário pode configurar enriquecimento ilícito. O termo inicial dessa taxa de fruição é a partir de quando o comprador deixou de pagar as parcelas do imóvel e termina quando o proprietário é reintegrado na posse do bem. De acordo com a jurisprudência pátria formada em casos análogos, a taxa de fruição gira em torno de 0,5% (meio por cento) ao mês sobre o valor atualizado do imóvel.
Da prevenção de riscos nas negociações imobiliárias
De fato, caro vendedor, antes de você procurar saber o que fazer quando o comprador do imóvel para de pagar as parcelas, é necessário destacarmos que a venda ou a compra de qualquer imóvel se trata de uma negociação séria que envolve altos investimentos, o que exige um cuidado preliminar, ou seja, antes de fechar o negócio. Assim, tanto o comprador quanto o vendedor devem realizar uma investigação prévia para evitar graves prejuízos. Dessa forma, comprar ou vender um imóvel às cegas, sem qualquer análise apurada da situação jurídica das partes e do imóvel é um grande risco que, como vimos, pode lhe custar muito caro.
Nesse contexto, para uma negociação imobiliária de sucesso, sugiro fortemente a leitura do nosso artigo sobre análise de riscos na aquisição de imóveis em Fortaleza/CE: um roteiro completo para uma compra segura. Esse artigo é útil tanto para o comprador quanto para você vendedor, pois traz informações valiosas para você fechar o negócio de forma protegida e tranquila.
Conclusão
Então, se você leu este artigo até o final, certamente obteve as resposta da sua principal dúvida: “O que fazer quando o comprador do imóvel para de pagar as parcelas?”. Em suma, foi possível compreender que, se você vendeu um imóvel de forma parcelada e o comprador deixou de pagar as parcelas, ignorando todas as suas tentativas de cobrança e usufruindo do imóvel como dono fosse, o nosso ordenamento jurídico lhe garante alguns recursos legais para reverter essa situação: a execução da dívida com atualização monetária, a rescisão contratual, a retenção do valor pago a título de sinal, a indenização por fruição do imóvel, a reintegração de posse, sem prejuízo de eventuais perdas e danos condicionadas à comprovação. Tais medidas visam protegê-lo de sérios prejuízos financeiros em razão da inadimplência do comprador.
Portanto, é fundamental que você utilize todos os recursos legais à sua disposição para garantir a proteção dos seus direitos e evitar perdas financeiras significativas. Para isso, não hesite em contar com a assistência de um advogado especialista em direito imobiliário para conferir segurança jurídica necessária na defesa dos seus interesses.
Referências
BRASIL. Lei n. 10.406, 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 11 jan. 2002.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Informativo nº 695. 10 de maio de 2021. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?livre=@CNOT=018136. Acesso em 09/10/2024.
FORTALEZA. 7 de abril de 2021. (Apelação Cível – 0049433-50.2008.8.06.0001, Rel. Desembargador(a) JOSE RICARDO VIDAL PATROCÍNIO, 3ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 07/04/2021, data da publicação: 07/04/2021). Disponível em: https://esaj.tjce.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do. Acesso em 10/10/2024.