Introdução
Com a expansão do mercado imobiliário cearense, as construtoras adotaram um ritmo frenético para construir e vender cada vez mais unidades. Nesse cenário, é possível notar um aumento exponencial na quantidade de obras e uma queda livre na qualidade dos serviços na construção civil. Dessa maneira, o fato tem causado sérios danos aos compradores, que se deparam com defeitos na construção do imóvel após a aquisição.
Caro comprador, se você adquiriu um imóvel e, após um período, identificou uma série de defeitos na construção, leia este texto até o final. A partir de agora, eu vou lhe explicar o que caracterizam defeitos na construção do imóvel e suas espécies. Além disso, vamos tratar sobre a responsabilidade da construtora, as questões relacionadas à garantia, o prazo de prescrição e decadência, e os seus direitos. Vamos lá?
O que caracterizam defeitos na construção do imóvel?
Os defeitos na construção do imóvel podem ser caracterizados pelas falhas no projeto ou na execução da obra. Assim, os defeitos na edificação podem causar diversos prejuízos ao morador do imóvel, inclusive risco de vida, a depender da gravidade das irregularidades. Dessa maneira, os defeitos construtivos podem ser classificados em duas espécies: defeitos aparentes e defeitos ocultos.
Defeitos aparentes: são aquelas falhas de fácil visualização, que podem ser imediatamente identificadas (pintura malfeita; vidros quebrados; portas trincadas; acabamento diferente do que consta no projeto, etc.)
Defeitos ocultos: são aqueles que se apresentam no decorrer do tempo (vazamentos; rachaduras; infiltrações; falhas no rejunte; problemas nas instalações elétricas; recalque de fundação; desníveis; inclinação de prédios; trincas e fissuras; estufamento de placas de cerâmicas; afundamento do solo; falhas no aterramento, etc.)
Dito isso, já pensou em morar em um apartamento recém-construído, aquele com que você tanto sonhou com a sua família, e se deparar com graves defeitos na construção do imóvel? Já imaginou ter de lidar com paredes profundamente rachadas ou com insetos transitando pelas brechas do mau acabamento do solo? Já imaginou, ainda, ter os seus móveis de parede danificados em razão da parede estar se dissolvendo? É muito frustrante não é mesmo?
Nesse cenário, é indiscutível que os defeitos na construção do imóvel, além de causar natural angústia, desgosto e indignação, são capazes de atrapalhar a sua noite de sono, tirar o seu prazer em receber as pessoas que você ama e até de pôr a sua segurança em risco.
Quem é o responsável pela reparação dos defeitos na construção do imóvel?
Antes de apontar o responsável pela reparação dos defeitos na construção do imóvel, é necessário analisar o caso concreto. Nesse sentido, é necessário identificar se os vícios construtivos de fato foram causados por falhas do projeto ou por irregularidades na sua execução. Além disso, é necessário observar os prazos legais de garantia, pois esses podem ou não afastar a responsabilidade civil do construtor/empreiteiro pela reparação dos danos. Então, vejamos como se aplicam os prazos de garantia para buscar a reparação das irregularidades de acordo com a legislação vigente.
Quais são os prazos de garantia para o comprador buscar os seus direitos em caso de defeitos na construção do imóvel?
Nas relações de consumo, a construtora figura como fornecedora de serviços e o comprador figura como destinatário final, Com efeito, o art. 26, II, do Código de Defesa do Consumidor prevê o prazo decadencial de 90 dias, a partir da entrega do imóvel, para eventuais reclamações de defeitos aparentes. Assim, nesse prazo o comprador pode exigir a reexecução dos serviços ou a restituição do valor pago ou o abatimento proporcional no preço do imóvel.
Por outro lado, no caso de defeitos ocultos, o art. 618 do Código Civil prevê o prazo de 5 anos para a garantia de solidez e segurança das construções. Durante esse período, constatando defeitos, o comprador tem o prazo de 90 dias para reclamar, a partir da constatação, conforme o art. 26, §3º do CDC. Dessa maneira, ele pode optar por desfazer o contrato ou buscar a indenização por dano material.
No âmbito do Direito Civil, os prazos são mais extensos. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou o entendimento de que, em caso de defeitos ocultos, o prazo prescricional inicia-se a partir da ciência do dano. Nesse caso, aplica-se o prazo de 10 anos previsto no art. 205 do Código Civil/2002. (Julgamento do Agravo Interno em Recurso Especial de nº 2.092.461/SP).
Diante disso, é necessário esclarecer que esse prazo de 10 anos é para as pretensões de natureza condenatória/indenizatória. Nesse sentido, tais pretensões visam a responsabilização do construtor/empreiteiro pelo pagamento da indenização pelos danos materiais. Desse modo, esses danos envolvem despesas com laudo técnico, com a reparação dos vícios construtivos, com a contratação de advogado, entre outras eventuais despesas a serem comprovadas.
Como os tribunais têm julgado a matéria?
Para entender melhor esse tema na prática, é importante analisar os julgados do TJ/CE em casos semelhantes. Nesse sentido, as decisões dos tribunais oferecem uma visão clara de como os direitos dos consumidores são protegidos em situações de falhas na construção, garantindo assim a efetividade das soluções jurídicas. Vejamos:
PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR VÍCIOS CONSTRUTIVOS. SENTENÇA PROCEDENTE. PRELIMINARES. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA. REJEIÇÃO. PRAZO PRESCRICIONAL DECENAL PARA REQUERIMENTO DE INDENIZAÇÃO. MÉRITO. EXISTÊNCIA DOS ELEMENTOS AUTORIZADORES DO DEVER DE INDENIZAR POR DANOS MATERIAIS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA CONSTRUTORA PELOS VÍCÍOS DE CONSTRUÇÃO SATISFATORIAMENTE DEMONSTRADOS PELO AUTOR. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. 01 – Preliminares de prescrição e decadência. Tem-se que o pedido é de natureza indenizatória (isto é, de ser ressarcido pelo prejuízo decorrente dos vícios do imóvel). Em tais situações, o referido prazo passa a ser prescricional, devendo incidir o prazo geral decenal (10 anos) previsto no art. 205 do CC/02. Rejeitadas. 02 – No mérito, cinge-se a controvérsia à análise quanto à presença dos elementos autorizadores do dever de indenizar em razão de vícios de construção na estrutura do Condominio Greenlife 2 Residence Edifício A. 03 – Trata-se de manifesta relação de consumo, sendo a construtora objetivamente responsável pelos vícios de construção do empreendimento, os quais restaram satisfatoriamente demonstrados pelas provas colacionadas à exordial. 04 – Portanto, depreende-se, da análise da jurisprudência colacionada e uma vez demonstrados pelo autor a existência de vícios de construção, aptos inclusive a colocar em risco a segurança dos moradores, acertada a sentença de primeiro grau quanto ao dever de reparar imposto à ré. 05 – Recurso conhecido e desprovido. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, à unanimidade, rejeitando as preliminares arguidas, em conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Fortaleza, data da assinatura digital. DESEMBARGADOR FRANCISCO MAURO FERREIRA LIBERATO Presidente do Órgão Julgador DESEMBARGADOR CARLOS AUGUSTO GOMES CORREIA Relator DESEMBARGADOR CARLOS AUGUSTO GOMES CORREIA Relator (Apelação Cível – 0250154-61.2021.8.06.0001, Rel. Desembargador(a) CARLOS AUGUSTO GOMES CORREIA, 1ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 10/07/2024, data da publicação: 11/07/2024).[grifos nossos]
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. COMPRA E VENDA. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE CONTRATO C/C INDENIZAÇÃO POR VÍCIOS CONSTRUTIVOS. RESSARCIMENTO INTEGRAL. SÚMULA 543 STJ. DANOS MORAIS OCORRÊNCIA. MANUTENÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. PRECEDENTES DO TJCE. RECURSOS CONHECIDOS E IMPROVIDOS. 1. Tratam-se de Apelações Cíveis interpostas por ambas as partes contra sentença proferida pelo juízo da 18ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza, que julgou Ação de Anulação de Contrato cumulada com Indenização por Vícios Construtivos, movida por Antônia Fabiana Alves da Silva, em desfavor de Pajé Empreendimentos Imobiliários Ltda, Camargo & Brito Empreendimentos Imobiliários Ltda, José Valdiberto Loureiro de Oliveira e Maristela Colares Camargo de Brito. 2. O STJ já sedimentou, por meio da súmula 543, o entendimento de que em caso de rescisão do contrato de promessa de compra e venda de imóvel, por culpa da construtora/incorporadora, o promitente comprador terá direito à restituição integral, imediata, atualizada, e em parcela única, de todos os valores pagos à construtora/incorporadora. 3. In casu, reconheço a existência de culpa exclusiva das demandadas, devendo haver a devolução da totalidade das quantias pagas à promovente, desde o início dos pagamentos em 05 de junho de 2013, conforme recibos às fls.33/41. 4. No que tange ao pedido de indenização pela fruição do imóvel, este não merece acolhimento, pois como restou demonstrado, a resolução contratual ocorreu por culpa exclusiva da parte ré 5. Os valores a serem devolvidos devem ser apurados em fase de cumprimento de sentença e pagos em parcela única com a devida atualização monetária, portanto, desnecessária a aplicação de condicionante de devolução dos valores pagos com a saída do imóvel. Até porque, conforme laudo e parecer ministerial acostados, a permanência longínqua no referido imóvel põe em risco a vida da autora, pelos problemas de ordem estrutural já constatados. 6. Com base nas particularidades do caso concreto, à luz da valoração entre os danos suportados pela suplicante e dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, mantenho o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), fixado na origem, por entender que não excedeu as balizas do razoável, nem induz ao enriquecimento sem causa. Além disso está em patamares próximos ao que esta Corte de Justiça vem decidindo em casos semelhantes. 7. Recursos de apelação conhecidos e improvidos. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 4ª Câmara Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, em, por unanimidade, em conhecer dos recursos para negar-lhes provimento, nos termos do voto do Eminente Relator, parte integrante deste. Fortaleza, . MARIA DO LIVRAMENTO ALVES MAGALHAES Presidente do Órgão Julgador DESEMBARGADOR JOSÉ EVANDRO NOGUEIRA LIMA FILHO Relator (Apelação Cível – 0142942-20.2017.8.06.0001, Rel. Desembargador(a) JOSE EVANDRO NOGUEIRA LIMA FILHO, 4ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 24/10/2023, data da publicação: 24/10/2023). [grifos nossos]
Portanto, é evidente que o TJ/CE tem reconhecido a responsabilidade da construtora quando fica comprovada a origem das falhas na execução dos serviços e o cumprimento dos prazos de garantia previstos por lei para o comprador.
A análise de riscos pode livrar você de sofrer por defeitos na construção do imóvel
Caro comprador, a aquisição de qualquer imóvel se trata de um investimento sério, pois comprar um imóvel às cegas, sem investigar antes o histórico da construtora é um grande risco que, como vimos, pode lhe custar muito caro.
Nesse contexto, para um investimento imobiliário de sucesso, sugiro fortemente a leitura do nosso artigo sobre análise de riscos na aquisição de imóveis em Fortaleza/CE: um roteiro completo para uma compra segura. Esse artigo traz informações valiosas para você ter segurança na aquisição.
Conclusão
Portanto, se você identificou defeitos na construção do seu imóvel, é crucial que esteja ciente dos seus direitos e os exerça dentro dos prazos legais previstos no CDC e no Código Civil. Dessa forma, para garantir seus direitos, é essencial observar as prazos de prescrição e decadência, conforme a jurisprudência vigente.
Em suma, a resolução amigável com a construtora deve ser a opção mais rápida e vantajosa. No entanto, caso haja negativa injusta, o recurso ao Poder Judiciário será inevitável. Assim sendo, não deixe de contar com a assistência de um advogado especializado em Direito Imobiliário para proteger seus interesses de forma eficaz.
Referências
BRASIL. Lei n. 10.406, 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 11 jan. 2002.
BRASIL. Lei Nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 1990.
FORTALEZA, MARIA DO LIVRAMENTO ALVES MAGALHAES Presidente do Órgão Julgador DESEMBARGADOR JOSÉ EVANDRO NOGUEIRA LIMA FILHO Relator (Apelação Cível – 0142942-20.2017.8.06.0001, Rel. Desembargador(a) JOSE EVANDRO NOGUEIRA LIMA FILHO, 4ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 24/10/2023, data da publicação: 24/10/2023). Disponível em: https://esaj.tjce.jus.br/cjsg/consultaCompleta.do. Acesso em: 08/10/2024.
FORTALEZA, DESEMBARGADOR FRANCISCO MAURO FERREIRA LIBERATO Presidente do Órgão Julgador DESEMBARGADOR CARLOS AUGUSTO GOMES CORREIA Relator DESEMBARGADOR CARLOS AUGUSTO GOMES CORREIA Relator (Apelação Cível – 0250154-61.2021.8.06.0001, Rel. Desembargador(a) CARLOS AUGUSTO GOMES CORREIA, 1ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 10/07/2024, data da publicação: 11/07/2024). Disponível em: https://esaj.tjce.jus.br/cjsg/consultaCompleta.do. Acesso em: 08/10/2024.